A feiura da vaidade e o horror da inveja

Sermão

Padre Lucas Altmayer, 17/11/2025 15:26

                 Acabamos de ouvir o Evangelho em que Nosso Amado Salvador ressuscita a filha de um dos príncipes da sinagoga. E como se não bastasse, na abundância de sua misericórdia, no caminho para ressuscitar a menina, Nosso Senhor cura também uma mulher que sofria de um contínuo fluxo de sangue.

            É o Evangelho da ressurreição da filha do príncipe da sinagoga. Há um detalhe que nos passa quase sempre por despercebido. Quando Nosso Senhor entra na casa, para ver a menina que se tinha como morta, ele encontra homens que tocavam flauta. Era, certamente, um cortejo de luto, que toca as músicas fúnebres do velório da menina. Antes de realizar o milagre, Nosso Senhor ordena aos tocadores de flauta que se retirem, pois não há necessidade de luto, a menina viverá. E qual a reação dos tocadores de flauta? Eles zombaram de Jesus.

            Só existem dois tipos de sorriso, meus amigos. O sorriso dos felizes, que se alegram verdadeiramente diante de um bem. O sorriso daqueles nossos amigos, que se alegram com nossa alegria, que riem conosco e por nós e que se entusiasmam diante de nossa felicidade. Mas, existe também o sorriso dos invejosos, cheio de veneno e de malícia. É o sorriso dos lábios dos homens maus, que se alegram com a desgraça alheia e se entristecem com o bem do outro. Talvez tenha sido este o sorriso destes tocadores de flauta. Ao zombar de Jesus, duvidaram que Ele poderia fazer algo melhor que eles mesmos. Acharam que Jesus não tinha mais força que o som das suas flautas. Acharam que o centro deste velório era o fúnebre som de seus instrumentos e riram quando Jesus disse que o centro era, na verdade, a manifestação da glória de Deus, ao levantar aquela que tinha sido dada como morta.

            A vaidade é feia, meus amigos. A inveja é horrível.

            O homem vaidoso gosta das pessoas e das coisas enquanto elas refletem a sua própria imagem.  Os vaidosos amam espelhos, e talvez o espelho que os vaidosos mais procuram são, não os de vidro que temos em casa, mas as pupilas dos olhos do próximo. O vaidoso olha para o próximo, com um interesse, que é o de descobrir se o outro reflete a sua própria imagem. No fundo ele olha para o outro e pensa: “pareceu-lhe interessante o que eu fiz? Gostou do meu ponto de vista e a firmeza das minhas decisões?”

            Nada causa maior prazer ao vaidoso do que experimentar a alegria de tudo o que se relaciona com ela, de que todos concordem com ela, de que sua opinião seja vista como verdade, de que o opinável e de que outras vias de pensamento desaparecem diante da sua opinião.

            É verdade que nossas obras são um reflexo de nós mesmos. Mas os vaidosos exageram tanto isso que padecem do mal do perfeccionismo. Na religião padecem do mal do puritanismo: só pode conviver comigo o que está de acordo com meu conceito de perfeição. O perfeccionista é aquele que trabalha para que sua imagem seja bem-vista. Normalmente, ele se preocupa muito com as coisas opináveis, daquilo que as pessoas podem manifestar mais opinião, pois ele não suporta que a opinião alheia contradiga sua própria maneira de conceber as coisas. Se recusa a ver o bem onde há o bem e vê sempre o mal nas obras que não são suas obras. A vaidade do vaidosos tem que coincidir necessariamente com a verdade. A voz dos outros deverá ser sempre um eco da sua própria voz. Se não for assim, ele se exalta, surge a discussão e surge a desavença. O resultado é uma solidão. Ninguém suporta a sua presença, pois ninguém se resigna a não ter voz, a ser simplesmente o eco de alguém. Gustavo Coração sintetiza o perfil da personalidade do vaidoso quando diz: todas as coisas, todas as opiniões são como o espelho da sua própria importância, da sua própria face, que para ele é grande, a única realidade, em torno da qual o mundo inteiro é uma imensa moldura.

            E se a vaidade é feia, a inveja é horrível. O sorriso destes flautistas do Evangelho de hoje foi o sorriso de deboche. E o deboche meus amigos, o deboche é filho da inveja e é neto da vaidade.

            A vaidade deseja que cada um de nós seja o maior e o melhor: o melhor da escola, o melhor do trabalho profissional, o melhor dos católicos, o melhor dos tradicionalistas, o melhor dos tomistas, mais tomista que Santo Tomás. Santo Tomás que não se recusava a ver o bem fora de si, que citava filósofos não cristãos, sem entrar em conivência com os erros destes, sabia reconhecer o bem que fizeram.

            O mesmo São Tomás que definiu a inveja como sendo a tristeza perante o bem alheio, que é considerado como um mal próprio pois se julga que o bem do próximo diminui nossa excelência, nossa honra, nossa perfeição, nossa felicidade.

            O fruto da inveja é a tristeza pelo bem do outro. Que coisa horrorosa, meus queridos amigos, o bem do outro é visto como um mal para nós.

            E o que fazemos? Criticamos o outro. Assim nós o rebaixamos e, quem sabe, nós subimos.

            Normalmente criticamos aquilo que, embora não seja perfeito ainda, faz um bem que nós não fazemos. E isso nos consola. Criticar é consolador. É tão consolador reparar nos defeitos de quem luta para fazer o bem, ainda que este não seja perfeito. É tão consolador reparar na ignorância dos professores, nas limitações dos poderosos, na burrice dos sábios, no pecado do próximo. Alegramo-nos com o pecado alheio, pois o pecado do próximo e, na nossa concepção puritana, isso significa que todo o trabalho do próximo já não presta mais.

            O fruto disso é o que vemos no Evangelho de hoje: o deboche, a ironia.

            A vaidade provoca a inveja, a inveja o espírito crítico e este provoca a ironia. E, entre a ira e a ironia existe uma semelhança: o irônico é uma pessoa agressiva, que não tem coragem de manifestar abertamente a sua crítica e recorre à máscara do falso humorismo. A ironia é a arma dos covardes.

            Quando nós rimos da simplicidade do próximo que, ainda que não seja perfeito e que tenha pecados, busca por fazer um bem, nós nos fazemos vítimas da ironia de Deus. A ironia dos céus descerá um dia par ridicularizar a ironia daqui de baixo. Qui habitat in coelis, irridebit eos. “O que mora nos céus, rirá deles”, diz o salmo 2.

            Nestes poucos dias que nos separam do Advento de Nosso Senhor Jesus Cristo, peçamos a Deus, meus queridos amigos, que nos dê a graça de sermos livres da vaidade, da inveja e da ironia. A postura dos tocares de flauta não deve ser a nossa, pois não foi a postura do Menino Deus que contemplaremos, daqui algumas semanas, deitado numa manjedoura. Ele se despojou de si mesmo, foi humilde e nos ordenou a sermos humildes também nós. Nos ajude Nossa Senhora, que não teve sombra de vaidade e inveja, mas que foi humilde muito mais que todo homem.

            E não esqueçamos nunca: a vaidade é feia, mas a inveja é horrível.